Inquietude XI (Morte)

Belo Horizonte, 25 de janeiro de 2007 (quinta-feira) – 01:15

Ora, como poderia eu ter a pretensão de salvá-lo privando-o de meu amor para que sobrevivesse à morte do corpo? Como poderia eu ter a pretensão de um suposto altruísmo – por amor – depois que ele me havia ensinado tudo aquilo que é mais importante? Hoje, não estou mais aqui. Há tempos, parti, naquela mesma noite em que, certa de meu inevitável destino, fiz por magoá-lo no imo da alma. Hoje, pergunto-me, qual o sentido de salvá-lo da morte se esta nada mais é do que o que o obriguei a viver naquela noite, depois do espetáculo? Sim, o show deve continuar. Ainda que sem luzes, coberto pela tristeza eterna a que o entreguei por fingir que o havia enganado quando disse que o amava. Valeria dizer que, se fosse agora, se eu pudesse voltar atrás, seria diferente? Naquele tempo, eu não sabia. Como ele sobreviveu à vida com a certeza de que eu não o amava (sendo que ele me amava tanto), se isto não era verdade? Embora eu nunca mais o tenha visto, sei que ele me vê, a todo instante, nas lembranças do toque e no calor dissipado do meu último suspiro. Sei que caminha, pelos cantos e ruas das noites lentas e sem fim que permeiam os corações em desalento. Sim, eu o salvei da morte física. Mas o matei com requintes cruéis. Se me arrependo? Ora, que seria eu se dissesse que não? Talvez, se continuássemos, um dia rompêssemos, por outra razão qualquer, e cada um seguiria o seu meio, o seu fim. Porém, preferi antecipá-lo, como a controlar um destino que coloquei nas minhas próprias mãos ensangüentadas. Ah, que pretensão tive! Entreguei-o ao fardo da amargura, transfigurando em fel a doçura do beijo que tantas vezes nos uniu. Quisera eu renascê-lo. Quisera eu bafejar seu espírito com um novo lampejo de vida. Infelizmente, não posso mais. Resta-me apenas amá-lo, e mais, tendo a certeza de que ele o fez (e ainda o faz) por mim. Naquela noite, parti, vítima das vicissitudes físicas. Desde então, pergunto-me quem, de fato, morreu.

25/01/2007 – 02:00

Marcos Arthur Escrito por:

Inquieto. Curioso. Companheiro da Marina e pai do Otto. Ultramaratonista. Facilitador de aprendizagem. Sócio-fundador na 42formas. Escritor amador. Eterno aprendiz.

Os Comentários estão Encerrados.