Bálsamo

Não sei o que, de fato, mereço da vida. Sequer sei o que o futuro me reserva. Mas tenho a plena certeza de que algo de bom acerca-se de minha alma. Situações, circunstâncias, acontecimentos fizeram-me, por momentos, amargo e incompreensivo. E eu quase cedi ao calor da derrota iminente. Voltei-me para o meu próprio eu e permiti que a angústia fosse a tradução de meu orgulho ferido e de meu egoísmo exacerbado.

Recorri ao telefone, ávido, buscando algo ou alguém que me permitisse sentir melhor, que me ajudasse a desviar os pensamentos para um plano mais belo, mais sereno. A voz do lado de lá era de alguém que certamente não descuidava de seus afazeres, muitos naquele instante, mas escutou-me de maneira singular, à guisa do vento que ouve o desabafo de um suposto louco que fala consigo.

Sentamos, tomamos uma cerveja. Fumamos alguns cigarros. Nos permitimos os excessos que a carne muitas vezes nos exige. Comecei a falar. Falei de angústias, medos, revoltas. Conjecturei sobre injustiças, imposições, infelicidades. E ele me ouvia, calado, atenciosa e lealmente, plenamente solidário ao que eu acreditava serem acerbos sofrimentos.

Centrado em mim, demorei a perceber que ele mesmo se encontrava cabisbaixo e taciturno. Ao questioná-lo, descobri lacunas em seu espírito que a minha ansiedade em falar não lhe haviam permitido revelar, apenas ouvi. Permaneci, então, reflexivo, a pensar em algo que pudesse fazer para aliviar o mal daquela alma, que se havia disposto a me escutar de forma incondicional.

Mais cervejas, mais cigarros. A conta. Deslocamo-nos, em caminhada, discutindo possibilidades, expectativas, crescimento. E, pouco a pouco, íamos nos permitindo sentir a vida mais próspera, os sonhos mais próximos e o aprendizado, mais pleno.

Sentamo-nos novamente. Além da cerveja e dos cigarros, dividimos a comida. Falamos, elevamos nossos pensamentos, ao mesmo tempo em que permitimos que eles fossem ao patamar mais inferior. Compartilhamos. Desde a toalha suja do bar até o último guardanapo.

Em instantes, percebi melhora efetiva em meu espírito. Os problemas continuavam a existir, porém, muito “mais pequenos” (e não menores). A vida se mostrou aberta, exclusivamente pensada para o alcance de uma virtude maior.

No início da madrugada, nos apertamos as mãos e nos abraçamos efusivamente, com a convicção de que a amizade é o antídoto para todos os males, por mais atrozes que sejam. Obrigado, meu amigo, por trilhar comigo uma pequena parte dessa estrada que ainda tenho de seguir.

Belo Horizonte, 10 de novembro de 2004 – 2:51.

Ao amigo Bruno, com os votos sinceros de uma vida cada vez melhor.

Marcos Arthur Escrito por:

Inquieto. Curioso. Companheiro da Marina e pai do Otto. Ultramaratonista. Facilitador de aprendizagem. Sócio-fundador na 42formas. Escritor amador. Eterno aprendiz.

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