Ensaio sobre a democracia

Hoje, no meio do dia, fui agraciado com uma provocação que me fez pensar mais uma vez em um assunto que, invariavelmente, volta à tona em reuniões de amigos e conversas de bar. Aí vai:

“Cientistas dizem que as pessoas não são inteligentes o suficiente para que a democracia dê certo. http://bit.ly/y5GO0E (Alô @marcosarthur!)”

Os que tiverem a curiosidade de clicar no link do tweet – e eventualmente conhecer o texto original que deu origem à compacta análise – talvez entendam o post com mais profundidade; mas faço aqui um resumo para os que não tiverem tempo suficiente – ou simplesmente não queiram ler a íntegra.

Basicamente, uma pesquisa liderada pelo psicólogo David Dunning sugere que a democracia não funciona porque as pessoas não são suficientemente inteligentes para escolher os melhores líderes ou o melhor projeto político. E que em geral essas mesmas pessoas se iludem quanto às suas próprias capacidades intelectuais.

Longe de mim – praticamente um zero à esquerda em psicologia – querer pôr em xeque as teorias do estudioso (que parecem inclusive bastante interessantes); então, atenho-me à questão da democracia, que por si só já é bastante polêmica.

Por várias vezes, sou obrigado a escutar que a democracia não funciona. O curioso é que normalmente as pessoas que pregam essa ideia têm o hábito de culpar o processo, sem necessariamente pensar nos agentes (se fizermos uma análise sintática da afirmativa, o sujeito que age seria a democracia, e não as pessoas que deveriam construí-la).

Nesse sentido, admito que devo concordar com o psicólogo quando diz que as pessoas têm uma forte tendência a se superestimarem. É um hábito pernicioso que temos costume de cultivar, acreditando frequentemente que nossas ideias são melhores ou mais adequadas do que as dos outros. Essa tendência, ao meu ver, se relaciona fortemente com a visão que costumamos ter do caráter do outro, usualmente julgando nossa conduta mais ética. Mas isso é assunto para um outro post.

Tornando à democracia, eu particularmente costumo ser minoria em discussões que a envolvem. Talvez porque eu seja um dos que ainda acreditam que ela pode dar certo. Porém, nesse sentido, talvez eu seja mesmo um iludido (sem querer distorcer o sentido do estudo mencionado). Porque é definitivamente um fato que, para dar certo, a democracia precisa não só que as pessoas acreditem nela, mas que: 1) tenham vontade de aplicá-la; e 2) que efetivamente empreendam esforços para que ela aconteça.

Ora, se a elite intelectual dominante não endossa esses três pilares (acreditar, ter vontade e empreender esforços), a democracia está mesmo fadada ao fracasso. Sim, trabalhar o consenso não é bolinho. E a saída mais fácil é manter o status quo, já que por meio dele os que estão no topo permanecem no topo e os que estão no sopé continuam sendo a base de sustentação desses primeiros. E quem quer estar por baixo?

Um ponto que vale reflexão sobre o estudo é a parte que define o processo democrático como a capacidade de os cidadãos reconhecerem (e por conseguinte escolherem) o melhor candidato ou a melhor plataforma política. O que aprendi é um pouco diferente. E a maior parte dos dicionários define a democracia como a soberania popular ou a distribuição igualitária do poder, assim como a maior parte dos estudos a respeito do tema a que tive acesso.

Talvez escolher o melhor líder ou o melhor projeto estejam diretamente relacionados a isso, mas quem vai querer saber, se a democracia é cada vez mais ignorada pela maior parte daqueles com capacidade para defendê-la? Aqui vale lembrar que a história conheceu vários ditadores com capacidades intelectuais bem acima da média. Mas o que eles fizeram pelo progresso da humanidade vale mais do que o rastro de destruição que deixaram?

Cabe um outro ponto de reflexão sobre o qual eu não poderia deixar de falar: à parte da política pura e simples, é bom lembrar que a democracia é um processo com o qual temos de conviver – ou não? – em um sem número de momentos cotidianos. As decisões têm de ser tomadas de forma coletiva em situações que vão desde a convivência conjugal até os inúmeros pequenos processos com os quais temos de lidar no dia a dia de trabalho. E quem realmente quer ter uma esposa (ou marido) que decide 100% das vezes pelo casal? Ou um chefe que simplesmente diz o que a equipe tem de fazer, sem ao menos ouvir as opiniões do time?

Caminhando para a conclusão, minha última proposta de reflexão traz consigo – como em todos os aspectos da dimensão humana – uma fatia de contradição. Porque eu vou dizer agora que, quer queira, quer não, a democracia está invariavelmente presente na vida de todos nós, em maior ou menor grau. Afinal, por mais falhas que sejam, temos eleições em várias partes do mundo; temos uma boa parcela de maridos e esposas que ouvem uns aos outros; e uma boa amostra de chefes que consultam a equipe antes de tomarem decisões. Eu podia citar outros exemplos, mas vou parar por aqui.

Pois bem, creio que basta de perguntas e inferências. Como um bom iludido pela epifania democrática, deixo aos leitores que decidam a opinião que melhor lhes couber. E fica por aqui este “ensaio”, que talvez um dia deixe de ser apenas um assunto em reuniões de amigos e conversas de bar para ser uma apresentação para o grande público. Quem sabe quando formos suficientemente inteligentes? Como diria John Lennon, “you may say I’m a dreamer. But I’m not the only one.”

Marcos Arthur Escrito por:

Inquieto. Curioso. Companheiro da Marina e pai do Otto. Ultramaratonista. Facilitador de aprendizagem. Sócio-fundador na 42formas. Escritor amador. Eterno aprendiz.

10 Comentários

  1. 06/03/2012
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    Vale lembrar que o artigo não questiona o valor intrínseco da democracia, e sim aponta para o fato de que ela, como sistema, promove apenas líderes medíocres (ou seja, “próximos da média”). É só o título que é sensacionalista. Esses jornalistas, viu… 🙂

    • 06/03/2012
      Responder

      Sensacionalismo vende. #Fato. Mas não creio que o problema seja o “sistema”. 😉

  2. Angelo Oliveira
    06/03/2012
    Responder

    Muito bom texto, Marcos. Como um profundo cético quanto à cientificidade da psicologia e, em especial, dos métodos empregados para medir a inteligência das pessoas, confiro muito mais peso às suas reflexões do que à pesquisa (pseudo-)científica.

    • 06/03/2012
      Responder

      Meu amigo, é uma honra receber tal crédito. Especialmente vindo de você.

  3. Nathalia Krzcsimovski
    06/03/2012
    Responder

    Alguém (ou alguns ou muitos) cria o sistema. Os ditadores foram e são apoiados pela maioria. Nesse aspecto a democracia funciona perfeitamente. A maioria apóia, a minoria discorda. Fica-se com a primeira.

    • 08/03/2012
      Responder

      Nath, estou contigo. Uma bela contradição, inteligentemente colocada. Sou seu fã.

  4. 08/03/2012
    Responder

    Oi Marcos! Gosto muito dos seus textos, a sua escrita e’ um prazer de se ler.

    Concordo com a interpretacao do artigo feita pelo seu amigo oprimo. O titulo do artigo e’ sensacionalista. Os cientistas nunca utilizam as palavras inteligencia/ esperteza (smart..) nos seus resultados, mas sim “falta de expertise”, de “conhecimento necessario” (competence).

    Eu acho o resultado da pesquisa bastante sensato. Constatou o que ja conhecemos na pratica se pensarmos num pais como o Brasil: ao dar o poder de voto para pessoas que nao tem o conhecimento necessario/especifico em determinados assuntos (eu, alias – e provavelmente a maioria da populacao) e’ ilusorio acreditar que sejam capazes de eleger os politicos mais capacitados para determinados cargos. Elege-se o mais carismatico, e carisma nao e’ o mesmo que governabilidade nao e’ mesmo?

    Tambem nao acho surpreendente a constatacao de que alguns individuos se considerem mais inteligentes do que realmente sao. Convivo com muitos deles todos os dias rs.

    A democracia nao foi avaliada/criticada enquanto sistema. Nao houve julgamento de valor. O que houve foi uma constatacao da realidade pratica deste sistema.

    Cientistas sao seres muito pragmaticos (ainda mais um cientista de universidade como Cornell, o cara e’ no minimo, fera!)

    Bjs carinhosos

    • 08/03/2012
      Responder

      Alê! É sempre uma honra receber um elogio seu. 🙂
      Eu concordo que o título é sensacionalista. E ainda não acho que a culpa seja do “sistema”. E acho que a definição de democracia utilizada é um tanto distorcida (“eleger o melhor candidato”). Mas o estudioso tem mesmo algumas teorias interessantes. Definitivamente, não duvido da capacidade dele.
      Beijos!

  5. Vilefort
    13/03/2012
    Responder

    Salve Marcos! Muito bom o texto. Deixa eu dar o meu pitaco então, ele me lembra de uma vez que disse que; pra mim o dia da eleição é o dia menos importante da vida politica “ou da democracia” , porque ali você somente concede a uma pessoa o direito de “lutar” por você, resolver alguns problemas para você. Em tese seria como contratar um advogado ou um contador, um empreiteiro, um segurança.. Na pratica significa que um pais inteiro escolheu o mesmo defensor, ate quem não o queria. Logo , dificilmente a escolha da pessoa será tão importante quanto o modo como você cobrará dela o que quer. Ouvi em um documentário uma vez a frase:”A diferença entre os EUA e FRANÇA é que nos EUA o povo tem medo dos políticos, na França os políticos tem medo do povo.” Isso fica claro quando vemos o quanto os franceses se juntam e lutam , fazem greve , protestos , até pelas coisas mais irrevelantes. Isso resulta num país repleto de direitos e vantagens inimagináveis pra nós. Porem isso não evitou que a luta por seus direitos, confortos e vantagens, secassem o país e vai lentamente arrastando-os para crise junto de outros gigantes europeus.
    Ou seja : mesmo que o governo seja feito para você ou por você , ele sempre tende a fracassar se as pessoas não buscarem o equilíbrio . O tal “poder do povo” só teria algum sentido se todo o povo se beneficiasse de tal poder.
    Abs.

    • 13/03/2012
      Responder

      Pois é, meu camarada. A democracia de fato só funciona se todos pensam de verdade no coletivo. Abraço!

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