Aurora

No dia seguinte
despertaram os gigantes adormecidos
e eles que eram pedra
levantaram-se em carne viva
devorando o mundo

e eles tinham as gengivas ensanguentadas
e os dentes tortos
o bócio
lhes brotava das gargantas estéreis
carregando no cerne os corpos de rebentos não nascidos

o sangue as veias os músculos
pulsavam a olho nu
escancarado
e eles tinham as gengivas amareladas
e os dentes mortos

os mortos
os respeitavam em seu silêncio de mortos
e os vivos
os reivindicavam em seu egoísmo de vivos

os gigantes despertos
andavam pela terra a recolher seus irmãos
e os arrancavam das lamas que ferviam

e os gritos eram férteis
e a Dor era fértil
e os mais afortunados sorriam ao abraçá-La

e a esperança era tênue
e não havia alento
bálsamo
de toque
de mãe

No dia seguinte
os gigantes se deram
as mãos em roda
e começaram a girar
e torvelinhos lhes saíram dos ventres
esfolando o mundo

e suas línguas
varriam os campos
e suas mãos
tombavam as florestas
e os rebentos caíam de suas gargantas
dilacerando o mundo

e eles tinham as gengivas despedaçadas
e os dentes rotos

e o medo era fértil
e a Dor era fértil
e os menos afortunados sofriam ao provocá-La

No dia seguinte
os gigantes adormeceram
e foram enterrados com as cabeças para fora
e a terra os fertilizou

e das suas chagas
germinaram rios cristalinos
e os seu pés encarquilhados
firmaram raízes verdes
e das órbitas vazias dos seus olhos
jorraram horizontes turvos
incertos

e das suas narinas
nasceram flores
e das suas fibras densas
o sol e a lua se uniram em novo
Amanhecer

No dia seguinte
os gigantes dormiam
e eles tinham as gengivas ensanguentadas
e os dentes tortos

Marcos Arthur Escrito por:

Inquieto. Curioso. Companheiro da Marina e pai do Otto. Ultramaratonista. Facilitador de aprendizagem. Sócio-fundador na 42formas. Escritor amador. Eterno aprendiz.

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