Onde a educação termina

“A educação começa em casa”, diz um antigo e popular ditado que faz sentido para muita gente (inclusive para mim), mas não é usual vermos alguém afirmar ou perguntar onde ela termina – talvez pela ausência de um senso comum em torno da questão, talvez pela natureza controversa do tema. Recentemente, vivi um episódio que me fez pensar sobre o assunto e me levou a formular a seguinte reflexão:

A educação termina onde há ignorância por escolha.

À parte das divagações filosóficas, vou contar a história que me trouxe até aqui.

No último sábado tive a oportunidade de assistir a um torneio cujo objetivo principal era, segundo a organização, a confraternização entre os participantes, estimulando a prática do Judô e incentivando aqueles que estão iniciando no esporte.. Meu filho, com 4 anos, é um desses iniciantes e fomos em família prestigiar o pequeno. A proposta do evento não era simplesmente promover uma competição – tanto que qualquer participante abaixo dos 18 anos recebeu exatamente a mesma medalha, independente de quantas lutas ganhou ou perdeu.

Foto de Anup Kumar na Unsplash

Além do incentivo ao esporte, sob vários aspectos, a ação teve um caráter claramente educativo, reforçado pelo fato de o torneio, que era também um festival, ter reunido crianças e adolescentes de várias escolas e ocorrido em ambiente escolar. Isso sem contar o Código Moral do Judô, cujos princípios básicos ensinam sobre Cortesia, Coragem, Honestidade, Honra, Modéstia, Respeito, Autocontrole e Amizade.

Durante o tempo em que estivemos presentes, o clima alegre e festivo só foi interrompido uma vez, pouco antes da primeira luta entre as crianças nascidas em 2017 e 2018: pais e mães de algumas delas insistiam em permanecer de pé, colados à grade no entorno da quadra onde estavam montados os tatames, obstruindo a passagem e atrapalhando a visão de quem estava sentado na arquibancada. Por mais que a organização pedisse, fosse por meio do locutor ou de organizadores falando diretamente aos familiares renitentes, alguns preferiram ignorar as rogativas.

Na seção onde estávamos, em dado momento, um homem polidamente pediu cooperação, sem muito sucesso. Foi o estopim para que em poucos instantes várias pessoas incomodadas (inclusive nós) lançassem apelos veementes para que as de pé se sentassem. Algumas destas, por sua vez, tentaram contra-argumentar, sendo a principal alegação que, se elas saíssem dali, logo teríamos outros pais e outras mães “fazendo a mesma coisa”, como se isso justificasse o ato. A situação não chegou a virar um total bate-boca, mas gerou intensa discussão, até que a pressão deu certo resultado: parte da turma de pé decidiu se sentar, por consciência ou constrangimento; parte se deslocou para continuar de pé em outro local.

Em meio ao reiterado clamor, o pai e a mãe de uma das crianças relutavam em ceder, a mulher chegando a pejorativamente chamar de “velho” o primeiro homem que havia apelado justamente à educação. Enquanto isso, o marido dizia: “Não ligue para o que estão falando, não vamos sair daqui.”; ou, dirigindo-se a quem reclamava: “Você está perdendo o seu tempo.” – e dava as costas. Sendo as únicas pessoas ainda de pé naquela seção, a pressão do restante recaiu sobre elas, com ares mais propícios à revolta – eu, confesso, era um dos revoltados. Foi quando um dos organizadores (que já havia pedido àquele pai e àquela mãe que se sentassem), informou que o filho do casal lutaria em outra área da quadra, convencendo-o a mudar de lugar.

Fiquei profundamente incomodado ao ver que a maior parte do problema não havia sido resolvida. Por insistência de um grupo, o entorno onde estávamos não tinha mais ninguém de pé, mas várias outras áreas da arquibancada estavam abarrotadas de pais, mães e familiares que continuavam a obstruir a passagem e atrapalhar a visão de quem estava sentado. Talvez por ser o primeiro torneio do qual meu filho participava, pensei no quanto um evento como aquele era importante para a construção do caráter e da civilidade daquelas crianças – e no exemplo que cada familiar representava. Mais uma vez pude compreender o tamanho da responsabilidade que é criar (e não somente ter) um filho. Afinal, o futuro se constrói pelo presente e ainda há muito espaço para torná-lo melhor. Num país em que muitas pessoas têm por hábito reclamar da educação como se não fosse também um problema delas, me soa urgente reforçar o papel social de cada indivíduo.

Marcos Arthur Escrito por:

Inquieto. Curioso. Companheiro da Marina e pai do Otto. Ultramaratonista. Facilitador de aprendizagem. Sócio-fundador na 42formas. Escritor amador. Eterno aprendiz.

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